De olho no poder de consumo de moradores de favelas, que gastam por ano R$ 56 bilhões, empresários querem negócios nos aglomerados. Quem já está por lá busca formalização Os empresários de shoppings populares começam a preparar o terreno para ganhar dinheiro dentro de favelas, que consomem cerca de R$ 56 bilhões ao ano no país, segundo levantamento do Data Popular, instituto que pesquisa a baixa renda no Brasil. O estudo mostrou que boa parte das vendas ocorre dentro das comunidades e que a classe média já representa 65% dos moradores das vilas e a baixa 32%. Em 2002, essa proporção era inversa: a classe média respondia por 37% dos habitantes e a baixa por 60%. A Favela Holding S.A., que tem como objetivo ser a porta de entrada do mundo empresarial nas favelas, identificou duas áreas no Aglomerado da Serra e uma no Morro do Papagaio, ambos na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, para construir empreendimentos populares. “Agora só dependemos da negociação com o governo e prefeitura”, afirma Elias Tergilene, ex-camelô, proprietário do shopping Uai e da Favela Participações, que faz parte da Favela Holding, da qual ele é presidente. Segundo Tergilene, 100% da mão de obra nos empreendimentos comerciais vai ser local e 60% das lojas virão da própria favela. “O mix vai ser formatado de acordo com a necessidade de cada vila. No caso do Morro do Papagaio, o foco vai ser o serviço. No da Serra, vai ser mercadoria e serviços”, diz. A iniciativa da Favela Holding será feita de forma integrada com outras entidades, como o Sebrae Minas, que iniciou nesta semana um projeto piloto com consultoria gratuita aos interessados em montar o próprio negócio no Aglomerado da Serra. Os novos empresários do morro estão animados e as oficinas geraram algumas indagações e conclusões. “Tenho que aprender a colocar preço no meu produto e calcular o valor de custo”. “Não sei negociar com o meu freguês. Fiz uma vitamina na minha lanchonete e vi que ele não gostou, pois coloquei leite a mais. Como eu faço para cobrar?” “Agora aprendi que preciso detalhar bem com o cliente o que vai ser feito antes de fechar o negócio”. “O mercado é formado pelos clientes, fornecedores e concorrentes. É um triângulo”. As frases acima são de alunos moradores do Aglomerado da Serra e ditas depois de assistirem às palestras de orientação ao pequeno negócio do Sebrae na comunidade. Alguns deles já formalizaram as empresas, outros estão a caminho. O projeto piloto na vila, chamado de Sebrae em Ação, visa prestar consultoria gratuita aos interessados em montar o próprio negócio. Em seguida a entidade pretende estender o projeto para outras regiões, como Venda Nova, Barreiro, Taquaril e Alto Vera Cruz, onde há grande fluxo de empreendimentos informais. O programa já visitou 1,2 mil empreendedores na vila e formalizou 406 microempresários. “Nos morros há um mercado informal, que fica à margem da economia. Muitas vezes eles não conseguem abrir conta em banco e não têm a chance de se qualificar”, afirma Márcia Valéria Cota Machado, analista do Sebrae Minas. Com o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) em mãos, a rotina de negócios desses empreendedores começa a mudar. Na barraca de Maurício Souza e Josiane Alves Pereira, na região central do Aglomerado da Serra, já é possível pagar espetinhos de churrasco com cartão de crédito. Os negócios do casal, que são donos do Maurício Espetinhos, mudou depois que eles formalizaram a empresa, há um ano. Hoje, além de serem ambulantes, são também proprietários de fábrica de espetos. As vendas dos espetinhos, comercializados entre R$ 2,50 e R$ 3, saltaram mais de 350% desde que eles se tornaram empresários individuais: de 150 unidades por dia, passaram para 600 a 700 unidades diárias. No começo, os churrasquinhos do Maurício eram vendidos na porta de sua casa. Hoje, o casal está em um dos pontos mais movimentados da vila e se tornaram referência na comunidade do Cafezal. “Metade do aglomerado nos conhece”, comemora Josiane. Com o CNPJ, eles puderam também comprar carne de melhor qualidade a preços menores. Conseguiram ainda adquirir a chapa própria para assar os espetinhos, freezer para colocar na pequena fábrica e financiamento para comprar uma moto, usada no serviço de tele-entrega. “Temos ainda planos de abrir um bar e eu quero fazer faculdade de gastronomia no próximo ano”, diz Josiane. A maioria da clientela do casal é do Aglomerado da Serra, mas em 2012 eles conseguiram romper os limites da comunidade. No ano passado, montaram uma barraca durante o evento de jazz Savassi Festival e também para o BH Music Station. “Depois que participamos desses eventos, fomos contratados para festas particulares e começamos a pesquisar novos produtos e cardápios”, afirma Josiane. Na sala com 15 alunos, Priscila Biluca Barbosa observa atenta às dicas do instrutor na oficina Sei vender. Ela mora no Aglomerado da Serra e trabalha há cinco anos com artesanato de biscuit. Há quatro anos, montou o próprio negócio, a Biluca Biscuit. “Queria aperfeiçoar mais as estratégias para conquistar o cliente. Preciso sondar mais os fornecedores e os concorrentes. As pessoas que trabalham em casa conseguem vender por preço menor. Tenho que mostrar a qualidade do meu produto”, afirma. Ela aprendeu ainda na oficina que em algumas peças pode ter lucro menor, em outras não. Desde que formalizou o negócio, Priscila conta que as vendas de artesanato dobraram. “Só não cresceram mais porque estou investindo na loja”, afirma. Há três meses, ela começou a treinar uma funcionária para trabalhar com ela. Em agosto, inaugura sua primeira filial na vila. CNPJ não ‘assusta’ mais De início, a sigla CNPJ assustou um pouco a empreendedora Marina Cândida Coelho Fernandes, dona da loja de acessórios femininos Super Bonita, no Aglomerado da Serra. “Quando me falaram que eu precisava de CNPJ para ter uma máquina de cartão de crédito, logo pensei: o que é isso? É coisa de empresa grande. Fiquei desanimada e achei que seria complicado abrir o negócio próprio”, afirma. Ela trabalha há sete anos no comércio e há um ano conseguiu formalizar a própria empresa. “Não demorou nem dois dias, achei que seria mais burocrático”, conta. A aptidão para o comércio acompanha Marina desde a adolescência. Aos 13 anos, ela já trabalhava com comércio informal no aglomerado. Aos 24 anos montou o negócio próprio. O primeiro ficava em área de 8 metros quadrados. Há pouco tempo, ela mudou para outro ponto, em área duas vezes maior, de 16 metros quadrados. E agora se prepara para abrir a primeira filial da loja. “O fato de eu morar aqui na região ajuda no contato com os clientes. Eles já me conhecem, têm envolvimento maior. Como convivo com as pessoas, sei o que um ou outro gosta”, diz. Mesmo depois de 20 anos dedicados à confecção de lingerie, a costureira Elzeni Alves Pereira Reis andou um pouco desanimada com o negócio, que ainda era informal, dentro da própria casa. Depois de ficar cinco anos ociosa, ela foi incentivada a voltar ao mercado pela equipe do BH Negócios. Em setembro de 2012 montou a própria empresa. Em dezembro passado, saiu de casa e abriu sua loja. “Comprei balcão e manequim de mostruário. Com o CNPJ, consegui adquirir produtos com preço e qualidade melhores”, afirma Elzeni. E o resultado veio nos negócios, que cresceram em torno de 80% a 90% em relação ao período que trabalhava em casa. Serviços em alta Os trabalhadores do setor de serviço também buscam ter o próprio negócio, como é o caso do pintor Paulo Márcio da Silva. Ele acaba de formalizar a sua empresa. “Eu achava que abrir a firma era uma coisa de outro mundo. Mas é muito simples. Não gosto de ser mandado, deveria ter feito isso há muito tempo”, afirma. Ele conta que na oficina de empreendedorismo aprendeu, por exemplo, a detalhar bem com o cliente o que vai ser feito antes de fechar o negócio. “Eu queria entender como o setor de serviços combina preço. Os síndicos dos prédios, por exemplo, sempre pedem o CNPJ do negócio para ter segurança maior”, diz. (GC) EM.com.br – Publicado em 27 de julho de 2013 Link original: http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2013/07/27/internas_economia,428096/renda-de-familias-em-favelas-atrai-empresas.shtml]]>